Um dos maiores trunfos da Netflix foi ter começado sua jornada nas produções originais com o pé direito, Hemlock Grove, House of Cards e Orange is the New Black deram um show de qualidade e se tornaram sucessos da empresa, abrindo espaço para que cada vez mais conteúdo fosse financiado.
Todas as três foram melhorando através dos anos, mas infelizmente no caso de Hemlock, que já tinha uma data de validade menor, ao invés de fechar com chave de ouro, por não precisar inventar muito para continuar (como Supernatural faz a 5 temporadas), eles bagunçaram a série numa mistura de: “Já que vai acabar, vamos acelerar esse negócio logo”, com “Nossa, temos tanta história para contar, pena que não teremos tempo”.
É praticamente impossível distinguir se aconteceu o que aconteceu por falta ou excesso de amor ao show, o que dá para afirmar é que foi muito mal feito, de uma forma que não achei que veria uma produção da Netflix errar depois de toda experiência adquirida através dos anos.
Comparando as temporadas
O seriado foi encerrado com apenas 3 temporadas e 33 episódios, não por falta de popularidade ou críticas ruins, mas porque ele é baseado em um livro, então existia um planejamento caso a primeira temporada desse um resultado positivo eles teriam mais duas temporadas. Pode até ser que se a série tivesse feito um sucesso maior, eles continuariam com o show, mas depois da segunda temporada já decidiram que a terceira seria a última.
Por não ter uma garantia de continuação a primeira temporada é diferente das demais, isso porque ela é muito mais concentrada na pacata cidadezinha de Hemlock Grove, como acontece em qualquer cidade do interior, qualquer acontecimento fora da rotina acaba chamando a atenção de todos os moradores, mas o resto do mundo segue sem saber da existência da cidade onde lobisomens comem adolescentes durante a madrugada. Além de ter um arco praticamente fechado.
Já a segunda e a terceira expandem os problemas enfrentados por Peter e Roman para algo mais regional e depois descobre-se que mundial, isso sem levar em conta a importância que o laboratório Godfrey vai recebendo com o passar do tempo, com pesquisas que vão de transferência de mentes, a criação de corpos “sintéticos” e mais qualquer coisa que for necessário para a ocasião.
A segunda temporada ainda segura bem a inserção de novos personagens e uma trama totalmente nova, mantendo o clima sombrio, as histórias amarradas e uma imprevisibilidade sensacional, mas infelizmente na terceira quase tudo se perde e deixa aquela sensação de traição no coração dos fãs.
Sobre a terceira temporada
Se a primeira temporada praticamente fechou um arco, a segunda terminou com um cliffhanger impossível de se ignorar, fazendo a terceira ser praticamente uma extensão dela (como uma mid season de seriados para TV) e por mais que eu critique a última temporada aqui, se você assistiu a segunda, tem que assistir a terceira.
O mais decepcionante desse último ano é você ver uma história e personagens muito bons, sendo estragados por um roteiro ruim e direção péssima, de uma forma que eu, que nunca segurei uma câmera ou escrevi um roteiro, tenho certeza de que faria melhor.
É como se essa temporada tivesse sido escrita por duas pessoas que jamais se encontraram para discutir o que seria feito, cada um fez sua parte e depois juntaram tudo e colocaram no ar, deixando várias coisas sem muito sentido, com uma primeira metade totalmente arrastada, beirando a monotonia total, e por algum motivo uma segunda metade com cenas aceleradas e atropeladas, chegando a ser, algumas vezes, displicente.
A primeira metade dessa temporada
Logo de cara você já percebe o problema de ritmo, quase abandonei a série na primeira metade dessa temporada porque nada acontece e quando acontece é de maneira ridícula. Desses primeiros 5 episódios, pouquíssima coisa se salva e poderia ser resumido em um único, que não se perderia muita coisa.
Desde o começo, a série se apoiou na amizade improvável dos dois protagonistas e durante essa fase os dois praticamente não se falam, encontrar Miranda e Nádia que é o motivo dessa temporada existir fica em terceiro plano, fazendo até mesmo a gente esquecer que aqueles dois caras são melhores amigos e precisam encontrar a todo custo a namorada e filha sequestradas por um lagarto/dragão gigante.
Cada um dos protagonistas recebeu uma subtrama (que acabou transformando a trama principal em sub…), na do Peter transformaram Andreas que era um personagem divertido, num mala que só não irritou mais, pelo final justo que deram a ele, no caso do Roman inseriram a Annie, personagem mais sem graça da série, totalmente neutra, que você torce para morrer, simplesmente para ela não aparecer mais.
A Shelley que já tinha recebido um arco na segunda temporada, agora recebe outro ainda maior, explorando mais a já complexa personagem, e minha crítica nem é sobre isso, já que ela sempre mereceu esse espaço, porém a maneira como foi feita te faz dormir durante todo o episódio, com um papo filosófico impossível de se acompanhar sóbrio.
Falando sobre a falta de sentido, o terceiro episódio foi o exemplo perfeito disso, parece que Eli Roth (produtor executivo da série e criador da franquia Albergue) pensou: “Estive organizando isso aqui durante três anos, não é possível que uma série de terror termine sem um episódio de Cabana na Floresta”, e foi exatamente isso que fizeram nesse capitulo, adicionaram um novo elemento na história só para poder fazer o bendito episódio de “Cabana na floresta”, clássico dos filmes de terror, e a coisa mais clichê desse tipo de filme, que não combina com o clima do programa.
Direção e roteiro
Acredito que dois fatores foram responsáveis pela quase tragédia que foi essa temporada: direção e roteiro. E é incrível dizer isso, já que seriados utilizam vários diretores em cada temporada, e no caso do roteiro, eles só precisavam fazer uma adaptação do que já estava escrito!
O maior problema de roteiro foi não saber planejar a quantidade de história para a quantidade de episódios, quiseram inserir histórias totalmente novas e ignorar o que tinha ficado em aberto, focando mais nos personagens secundários e criando novas tramas para os protagonistas. Porém lembraram depois, que esses 10 episódios seriam os últimos do seriado e que tudo deveria ser resolvido dentro desse tempo, então chegaram ao ponto de resolver todo um suspense e problema de escala mundial em metade de um episódio, com um clímax de segundos!! É como se os Power Rangers chamassem o Megazord no primeiro minuto do episódio e simplesmente pisasse no vilão, acabando com o problema da forma mais simples e fácil possível, sem criar nenhuma expectativa para o tão esperado final.
A direção só não pode ser criticada nos momentos da Olivia, onde provavelmente experiência da atriz [mais no tópico abaixo] é que fez a diferença, foi ruim o suficiente para que eu, que não tenho o mínimo conhecimento técnico, me incomodar muito com o andamento das cenas. A cena final, por exemplo, foi para fechar confirmando tudo o que foi essa temporada, resumiram o desfecho de uma amizade de três anos que se tornou um relacionamento de irmãos em uma cena completamente tosca, estragando até mesmo a belíssima atuação do Skarsgård, que tentou a todo momento passar algum sentimento enquanto o diretor cortava e tentava acabar com aquilo tudo o mais rápido possível.
Nem tudo se perdeu
Para mostrar o tamanho da discordância dentro dessa temporada, com altos beirando a excelência e baixos quase fundo do poço, o Dr. Pryce recebeu uma trama, equivalente à da Shelley, porém de uma maneira sensacional, dando um background real ao personagem, com uma história muito boa, fazendo você se importar de verdade com o doutor, sem tanta enrolação e favorecido com uma atuação incrível de Joel de la Fuente (Law & Order: SVU), se tornou meu personagem favorito da temporada.
Outro arco que segurou bem a temporada foi o da Olivia que contou com uma atuação inspirada de Famke Janssen (a Jean Grey dos primeiros X-Men e a esposa do Liam Neeson na franquia Taken), como eu não imaginava que ela poderia ter (sempre achei ela mais um rostinho bonito, do que atriz talentosa) e ainda fez uma dupla sensacional com o Chango interpretado pelo desconhecido, porém ótimo, Alex Hernandez.
Um ponto positivo que a série manteve, foi aquele ar de suspense e cenas que te deixam sem respirar de expectativa, excluindo os dois últimos episódios que não teve atenção e nem cuidado algum em torno desses pontos, os outros episódios, mesmo na pior fase da série, mantiveram a tensão e imprevisibilidade nas cenas.
CONCLUINDO
Tendo assistido a esses 10 últimos episódios acredito que dividir as histórias contadas em mais episódios seria o ideal. É claro que se não tivessem desperdiçado tanto tempo no início lento da temporada, talvez tudo pudesse ter sido contado com mais calma e qualidade, mas existiram pontos interessantes que poderiam ter sido mais explorados, transformando-os em tema de temporada e não uma subtrama para dar um motivo para um episódio ou ação.
Com um final extremamente justo, como a muito tempo eu não via em um seriado, porém feito de uma maneira totalmente amadora, como eu também a muito tempo não via numa série, mais do que chateado, fiquei irritado, por ver algo que poderia ser perfeito, ser bem mais ou menos por culpa de desleixo da produção.
Até tentei resumir esse post, mas foi impossível, essa temporada merecia textão, apesar de tudo, não me arrependo de ter me apaixonado pela série, e tê-la acompanhado durante esses três anos, porém daqui pra frente, todo mundo para quem eu a recomendo, já recebe o aviso de que ou assiste só à temporada inicial, ou terá que acompanhar até o final.